17 anos hoje. Desde que ele foi dormir e nunca mais acordou. Eu me lembro de me sentar ao lado dele na varanda de casa e ficar olhando o movimento da rua. Meu avô me ensinou a falar palavrão em árabe, a gostar de comer laranja lima, assim, partida ao meio, pra apertar e tomar o caldinho. Quando eu nasci, ele construiu um balanço no quintal de casa. Pra mim. Ele me ensinou a amarrar o cadarço do tênis, a ver as horas em relógio de ponteiro. Me ensinou a pegar arame, fazer um círculo na ponta, envolver cuidadosamente com barbante e voilá: nenhuma bolha de sabão seria maior ou mais perfeita que a minha.
Meu avô tinha medo de morrer, e chorava de saudades dos já haviam partido. Gostava de andar em pé, se equilibrando no espaço estreito do muro que separava a minha casa da dele. Minha mãe gritava, preocupada que ele caísse, e com o mau exemplo. Ele apenas sorria. E descia. Meu avô inventava músicas com vocabulário duvidoso e rimas improváveis. Hoje, 17 anos depois, sei uma por uma. Às vezes eu cantarolo dentro da minha cabeça, e me dou conta da falta de sentido das composições. É minha vez de sorrir. Meu avô não fazia a menor questão de fazer sentido. A gente fazia vaquinhas espetando palitos em batatas, riscava o chão com pedaços quebrados de tijolos. Ele adorava fazer graça com as outras crianças da rua. Pegava aquelas lagartas grandes e verdes, colocava no chão, chamava todo mundo pra assistir. Tomava distância, dava uma corridinha e pulava em cima, esmagando com o sapato. Era gosma de lagarta pra todo lado. Ele cortava rabo de lagartixa pra gente ver ele pular, sozinho no chão, desconectado do corpo, até parar. Ele me ensinou a fazer armadilha pra pegar passarinho. Nunca consegui pegar um pardal que fosse. Alias, os nomes dos passarinhos, boa parte deles, meu avô me ensinou. E eu dificilmente me engano. Quando chegava setembro e a cidade era invadida pelas cigarras, nós saíamos em busca das cascas abandonadas, e eu levava as carcaças pra casa. Meu avô tinha uma coisa com sementes. Me ensinou a pegar os caroços das mangas do quintal e secar no sol. Depois a gente saía pelo bairro, pela cidade, plantando mangueiras.
Hoje, 17 anos. Sempre que eu ando a pé na cidade siderúrgica e vejo um pé de manga plantado em local público, eu sei que foi ele. E eu sorrio. De novo e de novo. Hoje as mangueiras que meu avô plantou estão grandes, e têm raízes fortes, já dão frutos. Toda mangueira, ali, só existe por causa dele.
Meu avô teve uma morte tranqüila. Dormiu e não acordou. Eu me lembro de correr para o quarto dele quando a noticia chegou, naquela madrugada fria de agosto. Ele sorria. Meu avô morreu sorrindo.
5 comentários:
:~~~ ele tá presente nas melhores histórias da sua infancia. sem q posts não tem classificação (nem devem ter) mas adorei muito esse.
ai, tô toda emocionada aqui.
Linda homenagem Ç. Me emocionei com seu relato tão cheio de amor e ternura. As lembranças destes momentos lindos sempre estarão na memória.
Beijinhos e bom final de semana
Delma
www.buterflies.com.br/blog
Essa coisa de avô é cpmplicada, leio a sua saudade e vejo a minha!
Que bom que vc teve um avô tão bom quanto o meu!
Nane
daleiliane@blogspot.com
me identifiquei tanto com teu blog e as coisas que você escreve, ou como fala do que te acontece.
no meu, escrevi um post sobre minha avó também. li o seu e lembrei do meu: http://tem-que-ser.blogspot.com/2010/08/sobre-leveza.html
beijo!
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