terça-feira, 28 de setembro de 2010

o fotógrafo



foi nos idos de 2004, quando o orkut ainda era aquilo tudo. eu entrava em comunidades de cinema, e me metia em discussões acaloradas com desconhecidos, sobre os filmes todos que existiam. e eu estava ainda tão impactada com brilho eterno de uma mente sem lembranças. eu nunca deixei de ficar. e ele também fazia isso. e a gente entrou numa discussão eterna sobre os personagens. e antes que eu me desse conta estávamos nos indicando filmes, músicas. até poesia ele me mandou, uma vez.

e antes que alguém confunda, eu estou falando de amizade. depois eu descobri que ele era fotógrafo, desses conhecidos e premiados internacionalmente. e então eu vi as fotos que ele fez de guerras, e dos ensaios que ele fez com gente muito, muito famosa. ele gosta de fotografar pessoas atravessando as ruas, do alto. isso eu sei porque passei muito tempo olhando as fotos que ele fez. ele brinca com sombras. já tivemos conversas sobre melrose place e suco de tangerina. uma vez ele me ligou, porque o filho dele, também fotógrafo, ia fazer uma exposição, no rio. e ele tinha colocado o meu nome na lista de convidados, porque seria uma boa oportunidade de a gente se conhecer pessoalmente. ele disse. você tem voz. você é uma pessoa. e riu, do outro lado da linha. porque todas as nossas conversas sempre foram assim, escritas, as palavras se formando nas janelinhas de conversa.

eu tentei ir, mas bateram no meu carro, e eu acabei ficando sem conhecer pessoalmente o fotógrafo. o filho dele tem quase a minha idade, pouca coisa mais novo. eu acompanho de leve o que ele anda fazendo, e aparentemente ele é uma das novas promessas da fotografia brasileira. assim que se diz, não é? uma vez ele me contou que parou de registrar guerras quando o filho nasceu. por segurança. porque agora ele tinha algo maior, e tinha que ser responsável. ele me contou que quando o filho dele disse pra ele que seria fotógrafo, disse que queria fotografar as guerras. as mesmas guerras que ele parou de registrar. e ele entendeu. os dois eram feitos mais ou menos da mesma coisa.

há alguns meses chovia torrencialmente em são paulo, e eu estava em casa, escondida. era domingo, de tarde. ele apareceu online e me chamou. ele também me chama de cons. ele estava preso num hotel na avenida paulista, também por causa da chuva. tinha vindo dar um workshop de fotografia. conversamos sobre o tempo, sobre filmes, sobre câmeras. eu contei pra ele da minha camera nova, e ele disse que tinha uma igual, e que ela era a camera que ele usava no dia a dia, quando não carregava consigo o equipamento todo, as lentes todas. eu falei pra ele assistir "Deixe ela entrar", e ele me disse que não gostava de filmes de vampiros. é um filme sobre amizade, eu retruquei.

ele é mais velho que o meu pai, eu acho. eu tenho a idade do filho dele. e a gente se entende de um jeito engraçado. semana passada, ele me chamou no gtalk, antes de 8h da manhã. ia até a cidade siderúrgica fazer um trabalho, e queria indicação sobre hotéis. eu fiquei pensando que a gente quase se esbarra, toda vez. e que se eu estivesse por lá, eu chamaria ele pra um café. e mostraria o céu cor de rosa. o céu cor de rosa que eu fotografo sempre, porque é o mais bonito, e eu não me acostumo.

ele brincou. você já percebeu que faz seis anos que a gente não se conhece? eu falei que sim, que percebia. e ele continuou. apesar de eu ter certeza de que era você naquele restaurante, em bruxelas, em 1963. eu brinquei de volta. talvez tenhamos nos visto, de relance. foi a vez dele, de novo. mas como eu nunca fui a bruxelas, imagino que tenham sido dois nós outros.

num universo paralelo. eu gosto de pensar que uma hora dessas, andando pela rua, eu vou reconhecer a barba branca, a camera pendurada a tiracolo. e eu vou caminhar até ele e me apresentar. ou o contrário. ele vai me ver, distraída, andando pela rua. e vai se apresentar. e a gente vai se reconhecer. das longas conversas, dos seis anos de afinidade.

é boa a vida, de vez em quando. :)

4 comentários:

Rozzana disse...

Que história bonita.

Minha cidade de nascimento, também siderúrgica, também tinha o céu cor de rosa.

Vanessa disse...

Ei, moça..Eu adoro o jeito que você escreve, sabe..

aline marangoni disse...

tenho um amigo assim também. ele não é assim tão mais velho que eu, só 3 anos. mas eu ainda era bem nova quando eu o conheci, há 6 anos atrás. na verdade, nunca o conheci de fato. sempre tivemos essas longas conversar sobre qualquer coisa, mas através de janelas.
uma vez, ele me viu. em um lugar completamente avulso. um restaurante de beira de estrada. não sei como uma coincidência dessa pode acontecer, mas aconteceu. eu nunca o vi. mas ele me mandou mensagem "ei, era você no frango assado agorinha pouco?".

sei lá. só sei que é uma amizade muito bonita essa nossa. igual essa sua.

Leiliane Fontenele disse...

Sempre penso que sre amigo é fazer amigos e saber cativa-los ao longo dos anos!!