quinta-feira, 16 de junho de 2011

os pés

e daí que colocar os pés - os dois - pra serem picotados, ajustados, acertados, juntos, ao mesmo tempo, não é moleza. é tipo dente do siso. todo mundo fala pra fazer um lado de cada vez. pra poder comer, e ter uma recuperação minimamente ok. com os pés é igual, só que ao contrário. todo mundo fala pra fazer os dois ao mesmo tempo, porque a dor é ruim, e chata, e se deixar pra fazer metade metade, você acaba não fazendo  resto depois.

e foi por isso que eu emendei licença, férias, banco de horas. peguei tudinho, esperei o casamento de anne louise passar, e me entreguei às boas mãos do ortopedista fofo, o mesmo que me disse, lá quando eu tinha uns 16 anos, que o meu pé feio era caso cirúrgico. os dedos meio desalinhadinhos, os ossinhos que virariam joanetes. o mesmo ortopedista que, alguns anos depois, consertou os pés feios da minha mãe e da minha irmã. e que agora, conserta os meus.

eu nunca tinha feito cirurgia nenhuma antes. tirando a dos sisos. me lembro de leve do ortopedista pegar meus pés e perguntar pro anestesista se eu já estava pronta. e eu senti meus pés nas mãos dele. reuni forças pra mandar que me dessem mais daquele troço que me deixava sonolenta. e apaguei.

acordei tranquila, duas horinhas depois, pés enfaixados em duas botinhas. o quadril, ainda paralisado, de um jeito engraçado. não me senti mal, não tive esses transtornos de volta de anestesia. saí do hospital e tenho usado uma cadeira de rodas dessas simples, alugadas, pra me locomover dentro de casa.

me lembro da fernanda torres, na novela selva de pedra. a lembrança vem embaçada, porque eu era MUITO pequena, mas me lembro que ela sofria um acidente e tombava da cadeira de rodas, e precisava se arrastar escada acima. não sei o motivo, não lembro. lembro do drama.

meu drama é parecido. odeio depender das pessoas. só estou sozinha de ontem pra hoje, já que minha mãe voltou ao trabalho. deixou as empregadas a postos, mas eu me recuso a pedir ajuda. sou fernanda torres, e me arrastarei escada acima, sozinha, se for preciso.

a dor é real. fico imaginando se o pé ficou bonito, se o dedo comprido está mais curtinho, se as unhas vão ficar bonitinhas pra passar esmalte colorido. doi tudo. os dedos, a lateral dos pés, onde os ossos foram lixados. comecei a colocar de leve os pés no chão, e me meti a tomar banho sozinha. deu certo. vou ganhando confiança, levo toda uma vida pra ficar em pé. tem que achar o eixo de equilíbrio do corpo. coisa tão simples no dia a dia, coisa tão absurdamente complicada pra mim, hoje, de pés remendados. andei uns passinhos o pé latejou. to aqui pensando o que diabos acontece por debaixo das ataduras. o pé direito era o mais crítico, e ele doi muito pouco, quase nada. o esquerdo lateja, incomoda, e nele não havia quase nada a corrigir.

mandei guardar os pedacinhos de ossos que sairam dos pés. as falanges do segundo dedo, a parte lixada do joanete. tudo num vidrinho, e agora eu não faço a menor ideia do que fazer com isso. só sei que não queria que meus ossinhos fossem descartados no lixo frio de um hospital. o que veio comigo, vai comigo.

será que eu congelo?

3 comentários:

juliamorena disse...

Acho q vc devia guardar e fazer o mesmo q seu pai fez com as pedras do rim dele :P

Ge disse...

você tirou uma falange??? sério? me conta como foi isso? meu segundo dedo é bem maior que dedão, e isso incomoda pra caramba. você deixou certinho?? foi isso?

Mme. Cedilha disse...

oi, ge. :)

eu tirei uma falange sim. agora eu tenho dois dedos mais curtos, que só dobram uma vez. hoho.

nem fica estranho não. e essa parte da cirurgia tem uma recuperação mais tranquila. se te incomoda, se algum ortopedista recomendar, eu te digo que super dá pra fazer.

beijo.