segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Fred e Estevão

Quando eu era bem pequena, fui estudar numa escolinha que ia tipo até o pré primário. Tinha maternal 1, 2, 3, jardim e pré. Meu avô me levava de carro e depois me buscava. Tinha um pé de amora junto ao muro, e sempre que eu saía da aula, meu avô tinha um punhado de frutas colhidas nas mãos, esperando por mim. Nesse colégio, eu fiz os meus primeiros melhores amigos: Fred e Estevão. Dois moleques, do tipo mais bagunceiro que existe. Não me lembro de me entrosar com as meninas, se você for me perguntar o nome de uma, uminha que seja, não sei. Lembro de Fred e de Estevão.

Por ser menina, eles provavelmente jogavam toda a culpa em mim. Eu me lembro que na escolinha tinha a hora do lanche, quando as crianças se sentavam em mesas pequenas e comiam com pratos e talheres pequenos. Eu nunca gostava da comida, e sempre queria fugir da mesa. Um dia olhei para o lado e vi os meninos, em pé, longe das mesas, brincando no meio de um círculo feito por cadeiras pequenas. Me levantei da mesa e fui brincar com eles. Lembro-me que rodamos, dançamos, giramos, demos chutes no ar. Eu imitava tudo o que eles faziam. Chutei uma cadeira e ela tombou, assim, para trás. Um estrondo horrível, a cadeira caindo. Nós rimos, os três, e continuamos. A professora veio até nós, segurou o meu braço com força e antes que eu pudesse me dar conta, estava na sala da Diretora. Dona Amália. Ela era gordinha e tinha os cabelos cacheados, bem anos 80. Bem, era anos 80, afinal. Essa foi a minha primeira de muitas visitas á sala da diretora, por me envolver em companhias suspeitas na escola.

Eu chorava de soluçar. Perdia o fôlego, dizia que não tinha feito nada, mas eu tinha. Eu estava apavorada, como se pudesse ser presa, levada a um paredão de fuzilamento. Como se fosse ficar trancada num cubículo escuro sem ver meus pais nunca mais. O que poderia acontecer comigo, além do esporro? Depois desse dia, até hoje, uns 25 anos depois, eu ainda comparo os meus choros com o daquele dia. Se não forem fortes ou cheios de soluços, é porque não foi nada de mais. Aquele dia o meu mundo parecia que acabava. E era só a sala da diretoria, por causa de uma mini cadeira amarela chutada.

Eu tinha muitos pesadelos quando era pequena. Pesadelos horríveis, sonhos cheios de aflição, daqueles que a gente acorda sofrida. TODOS os meus pesadelos incluíam Fred e Estevão. Eu sonhava que eles me obrigavam a dirigir, e eu não sabia quais botões (?) apertar. E não tinha controle algum sobre o carro andando pelo bairro, nem parar eu sabia. E Fred e Estevão estavam ao meu lado, me mandando continuar. Eu sonhei, certa vez, que estava num barco grande, com meus pais. E a esse barco grande era acorrentado um pequeno. E Fred e Estevão me convenciam a pular de um barco pro outro. E eu pulava, e ficava no barco menor. E um deles soltava as correntes, e os barcos iam se afastando um do outro. E eu ficava mesmo muito desesperada com a idéia de me perder pra sempre da minha mãe. Pesadelo de criança. Fred e Estevão riam, gargalhavam, os sádicos. Teve um outro pesadelo, que eles me jogavam numa casa cheia de múmias, que saíam de caixões e andavam com os dois braços erguidos para a frente, tipo sonâmbulos. Eu tinha uns 4 anos, o que faz o maior sentido.

Hoje, eu não tenho a menor idéia de por onde andam Fred e Estevão. Imagino que estejam por aí, e gosto de pensar que eles ainda são amigos, e que saem para beber juntos e falar sobre garotas. Nem mesmo uma foto com eles eu tenho. Meus dois melhores amigos do maternal.

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