Existe um plano maligno no meu trabalho. Um plano para congelar a redatora. Eles devem pensar que se eu estiver com frio, sei lá, eu posso raciocinar melhor, me concentrar, whatever. Eu reclamo há meses. Ninguém faz nada, nada. Uns riem, meio que concordando, uns fingem que eu nem estou ali. Meus dedos ficam roxos, eu juro. A saída de ar fica em cima da minha cabeça e, enquanto as demais meninas podem desfilar as suas blusas sem mangas e vestidinhos variados, tudo o que me resta é lançar mão dos meus bons e velhos casaquinhos e ficar encapotada.
Então, agora eu trabalho de luvas. Lá fora, o sol queima a mufa dos cariocas, brilha. Pessoas enchem as praias. Dentro da empresa, eu, agasalhada, com luvas e casaquinhos. Reclamando, of course, porque isso eu faço mesmo. Minhas luvas são uma forma de protesto, um protesto silencioso. Atrapalham a digitação, fica até meio ridículo. Fazer o que? Ninguém faz nada. Hoje, meu co-worker, sensibilizado com minha situação, me ofereceu o casaco. Só que eu já estava com dois casacos, e mais as luvas. Então eu disse que o que eu queria, o que eu queria mesmo, é que consertassem o ar, sei lá, fizessem com que ele fosse distribuído de forma igualitária por todas aquelas pessoas. Ele riu, meio sarcástico, e disse: "Cara, tipo assim, desiste. ELES NÃO VÃO FAZER ISSO". Me restou continuar ali, semi-congelada, e reforçar a dica para que - se olharem pra mim e eu estiver meio parada, meio quieta, me cutuquem. Hipotermia é coisa séria.
Pensei alto que precisava de luvas novas, porque aquelas de lã, simples, não estavam cumprindo direito o papel de evitar a gangrena. Pensei alto que queria luvas de pele. Pêlo de carneiro, whatever. Pensei alto. Em seguida, lembrei da Julia, ao meu lado, protetora-mór dos golfinhos, adoradora de bichinhos indefesos. Ela falou que eu não podia pensar assim. Julia, a voraz devoradora de granola, come carne, eu descobri, mas só porque precisa. Ela não sente um prazer imenso ao saber que as vaquinhas morreram para que a gente pudesse se deliciar em um rodízio ou coisa que o valha. Julia ponderou que no caso das luvas, era bom para os carneirinhos, porque ajudava eles a não passar calor. Tipo, eu não estou nem aí para o calor que os carneirinhos passam. Eu estou preocupada com o frio, com as pontas dos meus dedos arroxeadas, isso é que me preocupa. E ela disse, novamente, que eu maltratava golfinhos, e resolveu incluir na mesma categoria as baleias. Eu maltrato baleias, basicamente.
Falei que eu tinha uma certa antipatia por baleias, porque tinha aquela que engolia o pinóquio e o Gepetto, e que tinha dentes que pareciam cerdas de escova de dente. Baleia Jubarte, ela disse. Julia entende de dentição de baleias. E completou dizendo que tinha sido muito bem feito ela engolir o pinóquio, que era mentiroso, e o Gepetto, que era um velho safado. Pedófilo, ela disse. Ele fez um boneco e queria que virasse um menino, só pra ele. Pra mim, vilã é mesmo a baleia.
Então, agora eu trabalho de luvas. Lá fora, o sol queima a mufa dos cariocas, brilha. Pessoas enchem as praias. Dentro da empresa, eu, agasalhada, com luvas e casaquinhos. Reclamando, of course, porque isso eu faço mesmo. Minhas luvas são uma forma de protesto, um protesto silencioso. Atrapalham a digitação, fica até meio ridículo. Fazer o que? Ninguém faz nada. Hoje, meu co-worker, sensibilizado com minha situação, me ofereceu o casaco. Só que eu já estava com dois casacos, e mais as luvas. Então eu disse que o que eu queria, o que eu queria mesmo, é que consertassem o ar, sei lá, fizessem com que ele fosse distribuído de forma igualitária por todas aquelas pessoas. Ele riu, meio sarcástico, e disse: "Cara, tipo assim, desiste. ELES NÃO VÃO FAZER ISSO". Me restou continuar ali, semi-congelada, e reforçar a dica para que - se olharem pra mim e eu estiver meio parada, meio quieta, me cutuquem. Hipotermia é coisa séria.
Pensei alto que precisava de luvas novas, porque aquelas de lã, simples, não estavam cumprindo direito o papel de evitar a gangrena. Pensei alto que queria luvas de pele. Pêlo de carneiro, whatever. Pensei alto. Em seguida, lembrei da Julia, ao meu lado, protetora-mór dos golfinhos, adoradora de bichinhos indefesos. Ela falou que eu não podia pensar assim. Julia, a voraz devoradora de granola, come carne, eu descobri, mas só porque precisa. Ela não sente um prazer imenso ao saber que as vaquinhas morreram para que a gente pudesse se deliciar em um rodízio ou coisa que o valha. Julia ponderou que no caso das luvas, era bom para os carneirinhos, porque ajudava eles a não passar calor. Tipo, eu não estou nem aí para o calor que os carneirinhos passam. Eu estou preocupada com o frio, com as pontas dos meus dedos arroxeadas, isso é que me preocupa. E ela disse, novamente, que eu maltratava golfinhos, e resolveu incluir na mesma categoria as baleias. Eu maltrato baleias, basicamente.
Falei que eu tinha uma certa antipatia por baleias, porque tinha aquela que engolia o pinóquio e o Gepetto, e que tinha dentes que pareciam cerdas de escova de dente. Baleia Jubarte, ela disse. Julia entende de dentição de baleias. E completou dizendo que tinha sido muito bem feito ela engolir o pinóquio, que era mentiroso, e o Gepetto, que era um velho safado. Pedófilo, ela disse. Ele fez um boneco e queria que virasse um menino, só pra ele. Pra mim, vilã é mesmo a baleia.
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