domingo, 28 de janeiro de 2007

Acontece que eu e a garota fomos ao cinema, com mais um monte de outras garotas e mais um pouco de outros garotos. Babel, o filme. Ainda no restaurante, eu avisei: "Babel é indigesto." Falei isso porque previa as reações, e pra me livrar da suposta responsabilidade de ter sugerido o filme. Eu conheço o estilo do diretor, já vi filmes dele, todos me deixaram meio mal. Então não digam que eu não avisei. Todos toparam, ingressos comprados, sessão começando. E as tragédias todas começaram a acontecer, e as pessoas todas começaram a sofrer. Eu já sabia, estava lá consciente, Babel era indigesto, eu até fiz questão de avisar. Tenso. Quando algumas pessoas saíram do cinema no meio, eu previ que a garota ia começar a reclamar. E ela começou. E eu lá, firme, assistindo os pobres coitados dos molequinhos marroquinos que atiraram na turista, as criancinhas abandonadas no meio do deserto no meio da madrugada, a japonesa surda tentando se divertir em uma boate high tech. Achando tudo muito bom, naturalmente. Eu queria ver esse filme, veria sozinha se necessário fosse. Quando as criancinhas louras e nórdicas foram abandonadas pelo Gael Garcia no deserto, a garota falou, em tom de ameaça: "se essas crianças morrerem, EU SAIO DO CINEMA". Comecei, pela primeira vez durante o filme, a torcer para que nada de mal acontecesse às criancinhas no deserto, não pelo bem estar delas, ou para a minha paz de espírito. Comecei a torcer para o bem delas para que Ana Luiza não saísse do cinema no meio, e isso não virasse um problema. Porque eu não iria atrás dela, e acho que alguém do grupo, provavelmente a Flavia, poderia fazer isso, e eu não queria o meu pequeno universo - ali, dentro da sala, durante o filme - fosse destruído. Se eu não fosse atrás dela e ela efetivamente cumprisse a promessa / ameaça e saísse da sessão, eu ia, durante o filme ainda, me desconcentrar e pensar onde será que a garota foi, o que ela estava fazendo, e isso ia ser motivo de briga, imaginem só, me tirar da sessão de cinema. Então eu torcia para que o filme indigesto tivesse final feliz. Não por mim. Para que ela não atrapalhasse.

Quando a sessão indigesta finalmente acabou eu disse, em tom meio conciliatório, em meio à revolta de mais da metade do grupo, que o filme era bom. Quase fui atacada. Olhei para a garota e disse que esse era o ultimo filme em parceria do Iñarritu com o Arriaga, roteirista. Falei. Ela disse, bem alto mesmo: GRAÇAS A DEUS.

Eu achei bom. Indigesto. Mas bom.

Acontece que quando fomos assistir Syriana, lá no ano passado, ela reclamou mais ainda. Disse que todos os muçulmanos eram iguais. Pra ela, os mais de 10 personagens muçulmanos do filme eram um só, ela nem sabia que eram vários. Durante a sessão, dormiu, acordou, falou ao telefone, reclamou de frio, de calor, do filme, de fome. Me xingou duas ou três vezes por ter escolhido o filme. Uma vergonha. Ana Luiza gosta de Legalmente Loura. Eu também, acho um filme divertido, tenho até os DVDs. Ana Luiza reclama quando o filme não é de amor, quando as criancinhas sofrem, quando coisas ruins acontecem. Quando o final não é feliz.

Da próxima vez, eu levo Ana Luiza pra ver filme da xuxa.

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