"Você maltrata os golfinhos!"
A declaração veio assim, sem aviso prévio, ao final do dia no trabalho. Eu sabia o motivo do suposto ataque, mas resolvi dar corda. "Eu? Maltrato os golfinhos? Como assim?"
Voltando no tempo uns vinte dias, estamos na primeira semana de Júlia, a mais nova membro da equipe. Estou eu, feliz e satisfeita, passando o meu creminho para as mãos de pitanga da natura. Júlia, horrorizada, me pergunta como é possível eu fazer algo, assim, tão horrível. "Horrível? - eu pergunto - "Mas o creme é tão bom, hidrata as mãos, tem um cheiro delicioso. É de pitanga!" Julia prossegue, dizendo que a natura faz testes em animaizinhos, testa o meu creminho de pitanga em gatinhos e cachorrinhos indefesos. Pensei que aquilo tudo era muito estranho, porque a natura baseia toda a sua comunicação dizendo ser uma empresa ética, e envolvida em causas ambientais, etc. Mas isso não importava naquele momento. Pontuei, tentando fazer alguma graça com a situação, que aquilo, na verdade, era uma boa ação, hidratar gatinhos e cachorrinhos com creminhos da natura. Todo mundo riu, aquilo era uma piada. Júlia não moveu um só músculo da face.
E, desde então, tenho me dedicado a observá-la. Couro sintético. Será que é vegetariana? Faz parte de alguma ONG? Como explicar para ela que fazemos parte de uma cadeia alimentar e, surpresa, estamos no topo? Crianças que crescem sem comer carne têm um QI mais baixo, eu li. Como isso parecia ser realmente sério pra ela, deixei pra lá.
Até hoje, quando, sem mais nem menos, sem aviso, ela disse, pra mim, com todas as letras: "Você maltrata os golfinhos!". Pensei que a única vez em que eu me encontrei com um golfinho foi quando o Flipper esteve visitando o Brasil, lá pelos anos 80. Acho golfinhos extrafofos. São inteligentes, dizem. Se reconhecem, se comunicam, são sociáveis, bichinhos "gente boa", por assim dizer. Não sou muito ligada à natureza, e isso também é fato. Odeio insetos e gatos me deixam desconfiada. Gosto de quase todos os cachorros. Tartarugas são legais, e acho cobras animais perigosíssimos, principalmente as constrictoras. De resto, gosto de patos, pinguins e sou radicalmente contra a matança de baleias e elefantes. E de golfinhos, of course.
Não acho legal o lance com os casacos de pele, mas confesso que acho bonitos. Não usaria jamais, até porque o calor infernal do Rio de Janeiro não me permite. Não acho legal tranformar 63 minks em um casaco de pele. Me apiedo dos gansos que sofrem para que seus fígados fiquem inchados e apetitosos. Tenho pena de cavalos e burros que puxem carroças.
Não é que eu não me preocupe com o rumo que o mundo está tomando. Eu jogo os meus papéis no lixo, e uso aquelas lâmpadas incandescentes medonhas, que são suspeitas de causar depressão e deixam a gente parecendo mais velha e mais gorda. Será que a depressão vem daí? Whatever. Gasto mais água do que deveria. Não me orgulho disso. O fato é que, se eu fosse como a Júlia, antenada com os problemas do efeito estufa e com o desenvolvimento auto sustentável, eu estaria me sentindo muito, muito mal com tudo isso. Porque a gasolina do meu carro queima e vira poluição, e eu sou a única passageira dele, na maioria das vezes. Minha própria poluição. A água doce vai acabar, as geleiras estão derretendo, o mundo está esquentando. E minha preocupação maior é comprar casaquinhos, ou bolsas de couro.
Adoro bolsas. A maior extravagância que eu cometi com compras foi uma bolsa feita com couro de cabrinhas bebês, que provavelmente pastavam felizes em algum vale esverdeado antes que tivessem as suas vidas ceifadas para virar bolsa. A minha bolsa. Extra large, bege clarinho, com frisos pretos e abertura diagonal. Muito brilho.
Além do mais, vacas estão contribuindo para o aumento do buraco da camada de ozônio. Parece que os gases que elas produzem, aquelas porquinhas, são extremamente tóxicos, nocivos a nós, pobres humanos. Li isso em algum lugar, quem quiser que comprove via Google. Tá lá, aposto. Um golfinho, outro dia, saltou sobre uma mulher em um barco, e matou a pobrezinha. Cada um se vira como pode.
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