eu sempre fui agitada. sempre. tem esse video feito no aniversário de 1 ano do meu irmão, e eu tinha, sei lá, 8 anos. e eu passei o vídeo todo surgindo e sumindo da imagem, porque o amigo do meu pai que resolveu registrar a festinha teve que lidar comigo o.tempo.inteiro pulando na frente dele.
meu irmão também sempre foi agitado. de um jeito pior, acho que por ser menino. quando ele tinha uns 15 anos, e levar pessoas pra serem diagnosticadas com tdah (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) era o último grito da moda, minha mãe não fez diferente. e lá estava o meu irmão sendo medicado com ritalina.
eu nunca tive problemas na escola. mentira. eu nunca fui boa aluna em matemática, física e química. nunca mesmo. dificuldade de assimilar aquelas informações, profundo desinteresse no que aquilo tudo queria dizer. eu já sabia que, fosse lá o que eu decidisse fazer com a minha vida, eu não precisaria saber como os carbonos se ligam ou coisa que o valha.
meu irmão tomando ritalina, minha mãe absolutamente encantada, gritando pra todos que o joão estava incrivelmente melhor, que o rendimento na escola melhorou, que se ela soubesse que era tão simples resolver o problema, ela teria investigado toda aquela agitação antes. e que, por que não, eu deveria ser avaliada.
por que não? eu topei. levemente motivada por um dos efeitos colaterais da ritalina - o emagrecimento. passei por uma junta de especialistas, psiquiatra especializado, psicóloga, psicopedagoga. fui diagnosticada e medicada.
realmente a concentração melhorou. eu fiquei mais focada, menos agitada, encadeava melhor os assuntos. parei de interromper as pessoas e seguia uma linha de raciocínio, sem me distrair ou me perder no meio. tomei ritalina por uns 4 anos. um belo dia, resolvi parar. experimentar a vida sem a "cápsula de inteligência".
para minha surpresa, eu não fiquei dispersa. continuei concentrada no trabalho, meu rendimento não caiu nada. eu voltei a interromper as pessoas, a falar desenfreadamente, e me atropelar com as minhas próprias ideias. aliás, eu parecia ter muito mais ideias do que quando estava tomando o remédio.
um efeito colateral interessante do final do tratamento foi o feedback das pessoas. não foi um bom feedback, eu já adianto. comecei e ouvir de amigos a palavra foco. como se o meu excesso de assuntos ao mesmo tempo significasse falta de concentração em um só tópico. na verdade, eu não perdi o foco em um assunto específico. eu ganhei foco em mais de um assunto ao mesmo tempo.
comecei a tomar broncas a cada vez que eu interrompia. você não escuta, você não tem foco. escuto essas frases com uma frequencia quase que insuportável. como se eu precisasse ser moldada, adequada, corrigida. a sociedade me enquadrando, já que o remédio não pode mais fazer isso. por eles. não por mim.
eu comecei a tomar consciencia de que a agitação, os múltiplos assuntos, as interrupções, a falta de atenção a assuntos que obviamente não me interessam não eram fruto de um transtorno de tdah. eram traços de personalidade. oi, eu sou a madame cedilha. eu vou te interromper, te atordoar, mudar de assunto sem que você perceba. se eu estiver concentrada, não vai adiantar você falar comigo. eu não vou ouvir. mesmo. give up.
não é transtorno. é assim que eu sou. isso é traço de personalidade, e traço de personalidade não se medica. eu não tento te enquadrar se você é grosseiro, mal educado, se está sempre reclamando da vida ou gasta demais quando vai ao shopping. não trato como doença você se achar gordo quando não é, ou a sua estranha fixação em bolinhos. ou whatever. pessoas são pacotes. meu pacote é agitado. meu pacote recusa ritalina, desculpaê.
tem essa tirinha do calvin, e o nome dela é algo como a tirinha mais triste do mundo. não foi feita pelo Bill Watterson, mas por um fã. calvin on ritalin, amigos. not pretty.