O problema é que é fácil se destacar naquilo que a gente conhece bem. Era assim no Rio, porque eu era a pessoa da empresa a ser consultada em casos específicos, eu tinha a expertise. Na outra empresa, eu já fazia o que faço na nova, mas o nome do meu cargo era outro, e a minha função era meio informal. Eu me metia a aprender as coisas lendo, testando, tentativa e erro. Daí, muda tudo. São Paulo tem todo um mercado formal pro que eu vinha fazendo de enxerida no Rio. Eu nem sabia que podia me candidatar a essas vagas, achava que era muito complexo. Surgiu a entrevista, e eu fui bem sincera. O que vocês fazem com essa ferramenta que eu sequer sabia existir, eu fazia com papeizinhos, e funcionava. O raciocínio eu tenho, falta a ferramenta.
E o gerente de covinhas apostou em mim. E eu cheguei num mundo colorido onde ferramentas deixam quase perfeito tudo aquilo que eu fazia com papéis e briefings detalhados. Só que eu cheguei nessa equipe que é cheia de gente foda. Tem a menina de cabelo vermelho, e ela é tipo um geniozinho. Tem esse gay, que mesmo tendo me destratado, me ensinou horrores. Tem outros, e outros, cada um com seu super poder especial. E, no meio de tanta gente boa, minha segurança ficou abalada. Eu estou acostumada a estar entre os geniozinhos, e aqui ainda há um longo caminho a percorrer. Não pra ser um geniozinho, mas pra ser reconhecida como um. E tem a questão de ser uma vaga temporária, que eu quero transformar em vaga eterna, porque não consigo ver um ponto em que eu deixaria de descobrir coisinhas.
Eu fiquei quietinha duas semanas, e quase surtei. Comecei a achar que eu era invisível, e eu, naquela posição de secretária para assuntos gerais do gay, efetivamente era. E aí eu resolvi conversar. Peguei todos os meus tópicos anotados para a conversa "what the fuck" que eu queria ter com o gerente, juntei com a adorabilidade que eu tenho, e rumamos para a salinha de reunião.
E aí, pasme. Fui elogiada. Parece que o feedback até agora tem sido muito mais legal do que eu podia imaginar, e ele inclusive mencionou o meu super poder na equipe, algo que eu sabia mais do que os outros. Me inseriu num outro projeto. Que pode ser a oportunidade que eu queria, pra tentar ficar quando o contrato acabar. Nem preciso dizer que terminei a semana bem felizinha, cheia de perspectivas.
Daí o gerente de covinhas me apareceu com um livro técnico. Ele perguntou. O que você está lendo? Eu disse o nome do livro, que é tipo a bíblia sobre o assunto. Ele falou. Desprioriza. Lê esse. E me emprestou o livro. 400 páginas, em inglês. Eu leio em inglês. Nick Hornby, néam? Livro técnico traz consigo uma carga extra de dificuldade, mas vamos lá.
Meus amigos dizem que isso é um claro sinal de que ele vai me manter na equipe, quando o fatídico 2 de julho chegar. Que se ele me emprestou o livro, ele está me preparando, e apostando em mim, e talecoisa. Eu quero acreditar nisso. Mas eu sou realista, do tipo que só acredita vendo, mesmo. Se isso acontecer, se eu conseguir me manter na firma colorida depois do final do prazo, eu sento na calçada e choro. Juro. E aí eu vou ter que recomeçar a pensar o que eu quero para a minha vida profissional. Porque eu terei atingido o objetivo maior que eu tinha, desde muito tempo, quando eu decidi o que queria fazer da vida.