segunda-feira, 7 de maio de 2007

Episódio de hoje: Meu carro, filho meu. Ou Madame Ç anda de ônibus.

Impressionante como a gente se apega. A gente se apega às situações, às pessoas, à rotina. No meu caso, o apego atende pelo nome de tistu, um carro fofo e azul que me leva pra onde eu quero já há quase 4 anos. Já andei muito de ônibus, já fui de precisar pegar dois ônibus para ir e mais dois para voltar da faculdade. Saía de casa com uma antecedência absurda, pra não correr riscos de atrasos e etc. Fiquei cheia de manhas, do tipo não sentar na janela no verão, porque ônibus têm baratas – e meu manual serve muito pra uso em casa, mas nada pra uso na rua. Meus sapatos acabavam-se com uma rapidez incrível, e eu fui aos poucos abandonando aquelas frescuras fofas de ser menina, de usar sandalinhas e saias. Andar em ônibus não é para leigos, não senhor. Tem que ter as manhas de se equilibrar quando o motorista faz as curvas, se desviar dos engraçadinhos, saber o ponto exato de puxar a cordinha e torcer mesmo para que o motorista resolva parar no ponto e não te faça andar muito. Tem que ter a manha de passar protetor, porque sol em ponto de ônibus queima mesmo, e deixa a marquinha do relógio e da blusa, e dos óculos. Tem que sair de casa com uma antecedência maldita, porque ônibus pára de ponto em ponto, e leva o dobro de tempo pra completar o percurso.

Eu não me lembrava de nada disso e, hoje de manhã, ao sentar toda pimpona no banco do motorista, ao virar a chave e – horrorizada – descobrir que o carro não ligava, tive que me recolher à minha insignificância e andar até o ponto. Pensei que podia ser divertido, tentar lançar a pollyana e pensar em como foi mesmo maravilhoso que tistu tivesse dado zica dentro do prédio, em segurança, paradinho na vaga, e que mais maravilhoso ainda era que no meu prédio viva um dono de oficina, o senhor Teófilo, malandrão, a cara do pai da família buscapé, que se prontificou a mandar um bom mecânico à minha residência, e que fará, por muitos, MUITOS dinheiros, o carro funcionar ainda hoje. Always look on the bright side of life, Monty Python, isso tinha que servir uma hora. Senhor Teófilo, alguém que Ilminha se apressaria em chamar de fofo, prometeu resolver tudo por uma módica importância de algumas centenas de reais.

E eu fiquei meio pão-duro nesses últimos tempos, encasquetei com a idéia de guardar dinheiro, e venho operando em modo econômico, sem novos sapatinhos, sem novos casaquinhos, sem lançamentos em DVDs de seriados. E é óbvio que isso incluía a idéia de pegar um taxi até o trabalho. Não. Vou de ônibus, é tão pertinho, é bom mesmo para perder a frescura. Já peguei um milhão de ônibus na minha vida, já atravessei a cidade, já fui parar na ilha do governador, eu sempre me virava, pensei. E peguei o ônibus, dois reais, para o trabalho.

Não tinha lugar, modos que tive que ficar em pé. Aquelas barras são tão engorduradas, disso eu me lembrava muito bem. Se você ficar pensando em bactérias, não anda de ônibus nunca mais. As pessoas são todas estranhas, tem sempre alguém te encarando, olhando fixamente. Eu não me lembrava que tinha que prender o cabelo porque, principalmente quando você é um dos que está em pé à espera de uma vaga, as janelinhas superiores jogam toda a sorte de vento na sua cara e o cabelo voa para todos os lados, e se despenteiam mesmo. Tem que escolher ficar em pé em um lugar onde as pessoas tenham cara de não estar indo para o mesmo lugar que você, para que quando elas se levantem rumos aos seus destinos, você possa se sentar bonitinho e, quem sabe, tentar relaxar no resto do percurso.

Antigamente, eu era uma boa menina que andava de ônibus e chegava na hora nos lugares, porque me programava pra sobrar tempo. E enchia a cabeça do meu pai. Porque eu precisava muito de carro. E quando teve o troço com o 174, eu usei como argumento, e quando teve um engarrafamento que me fez levar 4 horas do flamengo para a barra, eu usei como argumento. Eu queria ar-condicionado, mais que isso, eu queria sapatinhos que não ficassem gastos tão rápido, e música de qualidade. E um dia, não mais que de repente, o carro veio. E eu abracei as frescuras todas, as sandálias de tirinhas finas, as saias de tecido, CDs e mais CDs. E comecei a chegar atrasada, porque de carro tudo é tão rápido, pra que tanta antecedência? Whatever.

E hoje o carro enguiçou. Depois de 4 anos quase inteiros, muita sorte essa ter sido a primeira. E eu fui de ônibus, e voltei também. E fiquei tentando entender por que diabos - hoje - eu olho para esse universo com tanta estranheza. Durante os 33 minutos de um trajeto que, de carro, eu faço em 13, eu olhava para a cara das pessoas, com seus MP3 e seu sono tranquilo, com a cabeça batendo nos vidros com o sacolejar da viagem, e pensava. Eu dormia em ônibus quando fazia o doce trajeto de volta ao mundo em 80 dias, ou nas duas horas e quinze que separavam a minha casa do estágio na agência de publicidade. Eu ouvia música e pensava na vida. Eu abstraía das barras engorduradas e das pessoas. E me dei conta de que a gente se apega. A conforto, a frescura, ao ar-condicionado e ao espelhinho no pára-brisa, tão bom pra conferir se o rímel está ok. E, quando o telefonema veio dizendo que o carro estava pronto, na garagem, esperando por mim, não contive a alegria. Porque a gente se apega. Ao carro, ao controle da própria velocidade média, à temperatura adequada para garantir o conforto no calor infernal de um rio de janeiro mais quente a cada dia. Ao carro, mesmo.

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