Cheguei em casa, depois de um fim de semana fora. Encontrei um pernilongo, se bobear o mesmo que estava lá na sexta, enchendo de calombos meus pés e pernas, antes de eu viajar. Ele zunia desesperado, e eu fiquei com certa pena. Devia estar com fome, o pobrezinho.
Lembrei que quando eu era pequena, matava lagartas, lesmas e cigarras com requintes de crueldade. Uma vez, matei todos os filhotes de um ninho de passarinhos da rua. Minha avó chorou e eu prometi nunca mais fazer isso.
Eu congelava formigas, e elas voltavam a viver. Colocava no microondas e elas não morriam.
Arrancava as asas das joaninhas, para que elas nunca voassem. Tinha, dentro de um vidro, a segunda maior coleção de joaninhas da rua.
Meu avô cortava rabos das lagartixas, pra que eu me divertisse enquanto eles ficassem pulando desconectados do corpo delas. Ontem, tinha uma lagartixa no meu quarto. Tirei ela de lá com cuidado pra não machucar. Outro dia tinha outra, gigante, perto da minha cama. Fiquei horas com o cabo de uma vassoura, dando batidinhas na parede, pra que ela tomasse de volta o rumo da janela.
Uma vez entrou um daqueles grilos bem grandes e verdes, que as pessoas chamam de esperança, lá no meu quarto. O problema é que eu moro no primeiro andar, que é exatamente a altura que esses bichos alcançam pra entrar. Pois bem. Isso foi antes, bem antes de eu ficar fofa. Entrei no quarto e a bicha estava lá, no alto da parede, verde, fluorescente, radioativa quase. Óbvio que eu não iria lidar com um inseto gigante, então achei melhor abater o inimigo. Raid. Se mata barata, pensei, mata esperança. Comecei a espirrar o conteúdo do vidro sem dó. A esperança se contorcia, e eu continuava espirrando. Uma água verde, com toda a clorofila de todas as plantas que ela já tinha comido, começou a sair dela e escorrer pela parede. Mas ela não se rendia. Resistiu durante muitos minutos, até que o meu Raid acabou e eu peguei um outro, que trazia no rótulo a inscrição Mata Tudo. E a esperança não morria. Enquanto eu espirrava o líquido nela, fazia piadinhas com a idéia de que a esperança é a última que morre. E ela lá, na parede, se agüentando. Ao final do segundo vidro, eu me rendi. Pequei um jornal, transferi a guerreira combalida pra ele e joguei pela janela, na jardineira do prédio. Tenho pra mim que ela não morreu até hoje, mesmo depois das atrocidades que eu fiz. E torço, secretamente, para que ela realmente tenha sobrevivido. E que tenha me perdoado.
Barata eu mato mesmo. Sem pena, com muito nojo e os gritos de sempre. Mas mato. Sempre de acordo com o meu manual.
Sem mais.
Lembrei que quando eu era pequena, matava lagartas, lesmas e cigarras com requintes de crueldade. Uma vez, matei todos os filhotes de um ninho de passarinhos da rua. Minha avó chorou e eu prometi nunca mais fazer isso.
Eu congelava formigas, e elas voltavam a viver. Colocava no microondas e elas não morriam.
Arrancava as asas das joaninhas, para que elas nunca voassem. Tinha, dentro de um vidro, a segunda maior coleção de joaninhas da rua.
Meu avô cortava rabos das lagartixas, pra que eu me divertisse enquanto eles ficassem pulando desconectados do corpo delas. Ontem, tinha uma lagartixa no meu quarto. Tirei ela de lá com cuidado pra não machucar. Outro dia tinha outra, gigante, perto da minha cama. Fiquei horas com o cabo de uma vassoura, dando batidinhas na parede, pra que ela tomasse de volta o rumo da janela.
Uma vez entrou um daqueles grilos bem grandes e verdes, que as pessoas chamam de esperança, lá no meu quarto. O problema é que eu moro no primeiro andar, que é exatamente a altura que esses bichos alcançam pra entrar. Pois bem. Isso foi antes, bem antes de eu ficar fofa. Entrei no quarto e a bicha estava lá, no alto da parede, verde, fluorescente, radioativa quase. Óbvio que eu não iria lidar com um inseto gigante, então achei melhor abater o inimigo. Raid. Se mata barata, pensei, mata esperança. Comecei a espirrar o conteúdo do vidro sem dó. A esperança se contorcia, e eu continuava espirrando. Uma água verde, com toda a clorofila de todas as plantas que ela já tinha comido, começou a sair dela e escorrer pela parede. Mas ela não se rendia. Resistiu durante muitos minutos, até que o meu Raid acabou e eu peguei um outro, que trazia no rótulo a inscrição Mata Tudo. E a esperança não morria. Enquanto eu espirrava o líquido nela, fazia piadinhas com a idéia de que a esperança é a última que morre. E ela lá, na parede, se agüentando. Ao final do segundo vidro, eu me rendi. Pequei um jornal, transferi a guerreira combalida pra ele e joguei pela janela, na jardineira do prédio. Tenho pra mim que ela não morreu até hoje, mesmo depois das atrocidades que eu fiz. E torço, secretamente, para que ela realmente tenha sobrevivido. E que tenha me perdoado.
Barata eu mato mesmo. Sem pena, com muito nojo e os gritos de sempre. Mas mato. Sempre de acordo com o meu manual.
Sem mais.
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