minha lembrança mais nítida do ballet foi o primeiro dia. eu e carla, minha amiga de infância, sendo puxadas pela babá, levadas para a primeira aula. o professor era homem, o que fazia a gente soltar risadinhas. eu e ela, roupas iguais. meia calça cor de rosa, sapatilhas cor de rosa, com elásticos costurados para que não escapassem dos pés. collants cor de rosa com sainha. o cabelo preso num coque daqueles que só minha avó,sabia fazer. ainda sinto o cheiro do laquê, puxando a franja pra trás. redinha cor de rosa, arrematada com uma faixa. adivinha a cor?
carla olhou pra mim e disse. se o professor for bonito, vamos namorar com ele? tínhamos 5, 6 anos, eu acho. eu sorri e concordei. e ficamos ali, sentadas, esperando a porta se abrir.
quando a porta se abriu, surgiu um homem alto e magro, muito magro. levemente calvo, duas grandes entradas na testa, cabelo comprido, preso em um rabo de cavalo. usando um collant. será que é assim que se escreve? o peito meio de fora, o collant apertado. daniel, espanhol, sotaque e cavanhaque. feio. eu e carla nos entreolhamos e fizemos uma careta, e desistimos, ali, de namorar o professor de ballet.
eu era distraída, e nunca aprendia os exercícios. não por não saber fazê-los. por falta de atenção, mesmo. ele explicava elevés e pliés, eu olhava pela janela e gritava para as outras meninas virem ver alguma coisa - qualquer coisa - divertida lá fora. eu me lembro de olhar as bailarinas mais velhas quase que com devoção. tão lindas com suas sapatilhas de ponta. passando os pés na caixa de cal, envolvendo os dedos meio machucados com esparadrapo. eu queria ser como elas. mas me faltava atenção.
professor daniel era rígido. uma vez eu me lembro que íamos apresentar "sinfonia aquática" no final do ano. ele chamou todas as meninas mais gordinhas e passou um sermão. se não emagrecessem, representariam as pedras do cenário. comigo, as broncas eram todas pela falta de atenção. uma vez minha mãe foi me buscar na aula, e eu me lembro de vê-lo puxar o braço dela, olhar pra mim com dureza, e dizer: sua filha é a minha maior decepção. ela tem a melhor ponta de pé do meu ballet, mas é incapaz de se deixar transformar em uma boa bailarina.
meu problema era bem esse, mesmo. a falta de disciplina, de foco, de entendimento que, ali, eu podia ter começado toda uma história. não como bailarina. meus 1,74 jamais me permitiriam a leveza necessária. mas eu traria comigo a disciplina, a postura, o alongamento, o pescoço alongado que eu acho tão lindo. e a justificativa perfeita para os meus pés tão feios.
carla e eu nos perdemos, pelos caminhos da vida. sei dela pelo facebook, e não temos mais absolutamente nada em comum.
eu não sei que fim professor daniel levou. eu precisaria do sobrenome pra dar continuidade às investigações.
eu continuo desajeitada, indisciplinada, distraída, com uma postura ruim. mas com uma ponta de pé de fazer inveja a muita bailarina por aí.
carla olhou pra mim e disse. se o professor for bonito, vamos namorar com ele? tínhamos 5, 6 anos, eu acho. eu sorri e concordei. e ficamos ali, sentadas, esperando a porta se abrir.
quando a porta se abriu, surgiu um homem alto e magro, muito magro. levemente calvo, duas grandes entradas na testa, cabelo comprido, preso em um rabo de cavalo. usando um collant. será que é assim que se escreve? o peito meio de fora, o collant apertado. daniel, espanhol, sotaque e cavanhaque. feio. eu e carla nos entreolhamos e fizemos uma careta, e desistimos, ali, de namorar o professor de ballet.
eu era distraída, e nunca aprendia os exercícios. não por não saber fazê-los. por falta de atenção, mesmo. ele explicava elevés e pliés, eu olhava pela janela e gritava para as outras meninas virem ver alguma coisa - qualquer coisa - divertida lá fora. eu me lembro de olhar as bailarinas mais velhas quase que com devoção. tão lindas com suas sapatilhas de ponta. passando os pés na caixa de cal, envolvendo os dedos meio machucados com esparadrapo. eu queria ser como elas. mas me faltava atenção.
professor daniel era rígido. uma vez eu me lembro que íamos apresentar "sinfonia aquática" no final do ano. ele chamou todas as meninas mais gordinhas e passou um sermão. se não emagrecessem, representariam as pedras do cenário. comigo, as broncas eram todas pela falta de atenção. uma vez minha mãe foi me buscar na aula, e eu me lembro de vê-lo puxar o braço dela, olhar pra mim com dureza, e dizer: sua filha é a minha maior decepção. ela tem a melhor ponta de pé do meu ballet, mas é incapaz de se deixar transformar em uma boa bailarina.
meu problema era bem esse, mesmo. a falta de disciplina, de foco, de entendimento que, ali, eu podia ter começado toda uma história. não como bailarina. meus 1,74 jamais me permitiriam a leveza necessária. mas eu traria comigo a disciplina, a postura, o alongamento, o pescoço alongado que eu acho tão lindo. e a justificativa perfeita para os meus pés tão feios.
carla e eu nos perdemos, pelos caminhos da vida. sei dela pelo facebook, e não temos mais absolutamente nada em comum.
eu não sei que fim professor daniel levou. eu precisaria do sobrenome pra dar continuidade às investigações.
eu continuo desajeitada, indisciplinada, distraída, com uma postura ruim. mas com uma ponta de pé de fazer inveja a muita bailarina por aí.
2 comentários:
Parece um pouco com o que eu sentia qdo fazia balé. Na vdd nessa época eu tava longe de ser gordenha. Se eu tivesse mais atenção e mais disciplina eu teria me tornado! XD
No meu curso as cores dos collants eram por turma. Qdo vc começava, o primeiro ano, era amarelinho. Depois rosa, azul, verde e finalmente o tão sonhado preto com a sapatilha de ponta. Eu tb ficava fascinada! :)
minha mãe queria que eu fosse bailarina.eu era (oi? eu sou) muito miúda e todos diziam que daria pra coisa. mas uma amiga minha começou a fazer, a gente tinha uns cinco anos. aí, numa brincadeira de bonecas ela disse que não teria filhos, porque bailarinas não podem engravidar porque estraga o corpo. eu fiquei tão horrorizada com a possibilidade que disse pra minha mãe que NUNCA faria ballet. e olha que hoje, a cada dia que passa, eu mais percebo que não tenho vontade de ter bebês. um talento perdido, quem sabe.
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