quinta-feira, 19 de julho de 2007

E então, no fim de semana, estava passando a maratona Friends. Eu adoro Friends, muito, tenho todos os box de todas as temporadas, fiz até uma super caixa handmade super linda, com fotos dos episódios mais marcantes, e etc. Era uma maratona, e era mais que óbvio que eu devia estar com a tv desligada, fazendo o projeto do MBA-que-não-acaba-nunca (mas que está acabando, acreditem!). E tinha um episódio em que o Joey e a Phoebe discutem sobre a existência ou não de altruísmo no mundo.

A Phoebe dizia que altruísmo existia, sim, que era perfeitamente possível você desejar algo bom para os outros sem obter qualquer ganho ou satisfação com isso. O Joey discordava, dizendo que a pessoa está SEMPRE pensando nela mesma, mesmo quando parece estar interessada somente no bem do próximo. E é mais óbvio ainda que eu concordo com o Joey. Eu já concordava antes, concordei durante e, no fim do episódio, quando a Phoebe se dá conta que ele está mesmo certo, eu concordei mais ainda. E a questão é que eu adoro ser legal com os outros. Adoro comprar presentes, adoro ter cuidado com as pessoas. Adoro. Mas a satisfação é minha, sempre, porque eu fico me achando a pessoa mais legal de todo o mundo. E adoro quando os presenteados concordam.

E aí ontem eu encontrei uma amiga, e eu estava devendo o presente de aniversário dela. E eu fiz questão de dar o cd que faltava pra ela completar a coleção do Placebo. E ainda gravei Hedwig, um filme que ela ama e que nunca saiu em DVD. Eu baixei, achei legendas e gravei, porque sabia que ela gostava. Coloquei no DVD, ainda por cima, outro filme, The Science of Sleep, do Michel Gondry, que nós duas adoramos, que fez Brilho Eterno, o filme mais legal de todos os tempos. Juntei com uma dieta maluca que ela queria, com alimentos com baixo índice glicêmico. Embrulhei com um papel de presente vermelho, de natal, com inscrições hohoho em prata. E entreguei, desejando, pra completar a gracinha, um feliz natal. E ela adorou, óbvio. E disse que foi o melhor presente de desaniversário* ever. E até deu um certo trabalho, mas valeu. Porque eu fiquei me achando mais legal ainda. E ela também.

*Sempre que a gente se encontra, há troca de presentes. Pode ser um adesivo, uma bobagem. Como na história da Alice, com o Chapeleiro Louco e a Lebre. E que de repente é desaniversário de todo mundo.
Há dois anos eu dormi com a TV ligada, um dia. Fiquei vendo um desses concursos de miss Brasil, de gosto mais do que duvidoso, exibido pela Band. Dormi, óbvio, porque naquela época as misses (será esse o plural para miss?) continuavam chatas, como sempre foram, como ainda o são, até hoje. Estava vendo esse troço machista, onde todas as garotas bonitas choram emocionadas, com seus cabelos cuidadosamente esculpidos em laquê, seus sapatos do Fernando Pires e suas faixas medonhas. Se o clichê há alguns anos para livro preferido era “O Pequeno Príncipe”, naquele ano, me lembro bem, livro de miss era “O Código da Vinci”. Nojo.

Mas é aquela coisa. O sono ia me vencendo, a opção na Globo era algo como Linha Direta, naqueles causos em que espíritos surgem em edifícios incendiados, e eu tenho medo de alma penada, hoho. Sintonizei na Band, concurso de miss. Não devo ter resistido 15 minutos acordada, não pus a TV no timer e dormi como um anjinho, enquanto Astrid Fontenelle dizia seus achismos sobre as belezas típicas dos estados do Brasil.

Dormi com a TV ligada, volume alto. Devo ter me dado conta disso por volta das 4 da manhã, quando acordei e finalmente desliguei a TV, onde algo de teor evangélico ocupava a grade. No dia seguinte, fui para o trabalho, vida que segue. E, à noite, ao retornar, recado do porteiro. “A dona Lourdes, do 310, está atrás de você.” Fiquei curiosa, a única Dona Lourdes que eu conheci era a minha tia avó, e ela tinha morrido há anos. Não tenho amigos no meu prédio. Não paro em casa, me reservo aos “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” típicos de uma moça bem educada no elevador. Seguro a porta quando alguém está carregando sacolas, sorrio para os cachorros e para algumas crianças que não me sejam ameaçadoras. Meu prédio tem muitos velhinhos, e eu até que acho isso bonitinho. E tinha uma tal de Dona Lourdes atrás de mim.

Liguei para o apartamento da senhora, atendeu uma velhinha e me passou um senhor esporro, dizendo que a minha tv ligada no silêncio da noite subiu o andar que nos separa e prejudicou seu sono. “Velhos sofrem de insônia, minha filha, e eu não consegui dormir por sua causa.” Concordei totalmente com ela, pedi milhões de desculpas, falei que ia tomar mais cuidado, e expliquei pra ela que era um concurso de miss, mas que ela devia concordar que eu não tinha como permanecer acordada assistindo. Dona Lourdes foi compreensiva, e desde aquele dia eu tomo cuidado com o volume, não por causa dos vizinhos deste andar, ou por causa do apartamento de cima, mas por causa da velhinha com insônia do terceiro andar. Nunca vi Dona Lourdes. Toda velhinha no elevador podia ser ela, não sabia. Até hoje.

Supermercado. Uma velhinha comprando queijo, pão, ovos e frutas. Fofa, baixinha, levemente acima do peso, com uma meia daquelas compressoras pra varizes, eu acho, cabelo branquinho, óculos escorregando por cima do nariz. Andava devagar, escolhia latas de conservas, checava preços e datas de validade. Não sei por que me chamou a atenção. Bonitinha, me lembrou tia Dadá, a tia avó mais querida que eu tive, e que morreu jovem, com 93 anos, um choque para a família. Na hora de pagar a conta, essa velhinha pediu que o supermercado levasse as compras pra ela, e deixou nome e apartamento: Bloco 5, apto 310. Nem precisei ouvir o nome. Eu sabia que era a Dona Lourdes. Pensei em me apresentar, saber mais sobre ela, dizer que eu sempre tomo cuidado com a tv pra não acordá-la, etc. Não fiz nada disso. Quem sabe, uma hora dessas, eu subo dois andares e me apresento?

terça-feira, 10 de julho de 2007

Madame Ç e os pequenos animais

Cheguei em casa, depois de um fim de semana fora. Encontrei um pernilongo, se bobear o mesmo que estava lá na sexta, enchendo de calombos meus pés e pernas, antes de eu viajar. Ele zunia desesperado, e eu fiquei com certa pena. Devia estar com fome, o pobrezinho.

Lembrei que quando eu era pequena, matava lagartas, lesmas e cigarras com requintes de crueldade. Uma vez, matei todos os filhotes de um ninho de passarinhos da rua. Minha avó chorou e eu prometi nunca mais fazer isso.

Eu congelava formigas, e elas voltavam a viver. Colocava no microondas e elas não morriam.

Arrancava as asas das joaninhas, para que elas nunca voassem. Tinha, dentro de um vidro, a segunda maior coleção de joaninhas da rua.

Meu avô cortava rabos das lagartixas, pra que eu me divertisse enquanto eles ficassem pulando desconectados do corpo delas. Ontem, tinha uma lagartixa no meu quarto. Tirei ela de lá com cuidado pra não machucar. Outro dia tinha outra, gigante, perto da minha cama. Fiquei horas com o cabo de uma vassoura, dando batidinhas na parede, pra que ela tomasse de volta o rumo da janela.

Uma vez entrou um daqueles grilos bem grandes e verdes, que as pessoas chamam de esperança, lá no meu quarto. O problema é que eu moro no primeiro andar, que é exatamente a altura que esses bichos alcançam pra entrar. Pois bem. Isso foi antes, bem antes de eu ficar fofa. Entrei no quarto e a bicha estava lá, no alto da parede, verde, fluorescente, radioativa quase. Óbvio que eu não iria lidar com um inseto gigante, então achei melhor abater o inimigo. Raid. Se mata barata, pensei, mata esperança. Comecei a espirrar o conteúdo do vidro sem dó. A esperança se contorcia, e eu continuava espirrando. Uma água verde, com toda a clorofila de todas as plantas que ela já tinha comido, começou a sair dela e escorrer pela parede. Mas ela não se rendia. Resistiu durante muitos minutos, até que o meu Raid acabou e eu peguei um outro, que trazia no rótulo a inscrição Mata Tudo. E a esperança não morria. Enquanto eu espirrava o líquido nela, fazia piadinhas com a idéia de que a esperança é a última que morre. E ela lá, na parede, se agüentando. Ao final do segundo vidro, eu me rendi. Pequei um jornal, transferi a guerreira combalida pra ele e joguei pela janela, na jardineira do prédio. Tenho pra mim que ela não morreu até hoje, mesmo depois das atrocidades que eu fiz. E torço, secretamente, para que ela realmente tenha sobrevivido. E que tenha me perdoado.

Barata eu mato mesmo. Sem pena, com muito nojo e os gritos de sempre. Mas mato.
Sempre de acordo com o meu manual.

Sem mais.