sexta-feira, 30 de março de 2007

O menino andava cabisbaixo. Achei que era por causa da quarta-feira, dia que ele faz questão de declarar: odeia. Fala tão mal das quartas que começou a me deixar meio paranóica, como se fosse realmente um dia amaldiçoado. Não é início de semana, não é final. Não há o que esperar, não está próximo de nada, geralmente é um dia quente, e seco. E perdido, ali, imprensado no meio da semana. É dia mais longo ainda pra mim, já que me obriga a, depois do trabalho, me colocar em uma sala cheia de frequentadores de academia, professores monocórdicos e matérias nem sempre interessantes, em uma pós-graduação que parece não ter fim.

Por causa do menino, primeiro, ao acordar, antes mesmo de levantar, pensava comigo: "Hoje é quarta-feira". Dia do menino ficar casmurro, trancar o sorriso e deixar o ambiente mais silencioso, mais triste. O menino é muito feliz, tem um sorriso que enche o rosto magro de cabelos arrepiados. Mas, desde uma quarta-feira ele andava quieto, duas ruguinhas na testa, preocupado. Olhei para a mesa do lado, pedi que ele cessasse a música dos fones, e perguntei: "É porque hoje é quarta-feira?". Ele disse que não, não entrou em detalhes, "coisa minha, problemas". Não quis dizer, respeitei o silêncio. Difícil isso de respeitar o silêncio preocupado dos que nos são queridos. Me apertou um pouco o coração, e eu pedi que ele me avisasse quando tudo fosse ficar bem.

E a quarta passou, a quinta, o final de semana. Ele ficou ausente nos almoços, silencioso durante o trabalho. E outra quarta veio, e eu perguntei se as coisas estavam melhores, e ele disse que não. E eu fiquei, mais uma vez, de coração apertado. Nada podia fazer. O menino sorridente e feliz ficou sério, o menino falastrão ficou mudo, os cabelos arrepiados se assentaram. E outra quarta veio, e mais outra.

E hoje, no carro, voltando do almoço, ele teve uma crise de riso, daquelas antigas, falando besteira. E ele riu, e na hora eu nem me toquei. Disse que ia pra casa, dormir, enquanto eu e os outros voltaríamos para o trabalho, pra cumprir com o resto das pendências. E, no fim da tarde, meu telefone tocou, e era o menino.

Não dizia coisa com coisa, falava alto, meio gritando, que estava tudo bem. Balbuciou algo sobre como funcionam as coisas no seu mundo, usou metáforas que eu não entendi, sobre coisas que o preocupavam. Seja lá o que o tivesse calado nas últimas semanas, estava acabado, e ele queria que eu soubesse, e estava ligando pra me contar, pra me tranquilizar. E me tranquilizou. E deixou a minha sexta-feira, que estava tensa, aborrecida e com cara de quarta, mais leve. E me fez acreditar que talvez, quem sabe, uma hora dessas, todos os motivos que me calam e me preocupem cessem também, e que possa ser eu, no telefone, a pessoa aos berros e feliz.

quarta-feira, 28 de março de 2007

madame ç arruma confusão no elevador do mba. o.O

Dentre os meus milhares de defeitos, logo ali, atrás do "eu não paro de reclamar", está o que, talvez, em toda a minha vida, tenha me trazido mais problemas. Eu falo demais. Não é o tipo falar demais que não deixa ninguém falar, porque esse é o meu defeito número 3, é um outro tipo de falar demais. E também não é falar demais de fofoca, porque esse defeito - que todos temos, atirem a primeira pedra - fica neutralizado pela minha qualidade que é ter noção. Eu já me ferrei muito com fofoca, fiquei vacinada. O meu falar demais que me traz problema é me meter em conversa alheia. Tipo eu falo mais do que deveria pra gente que não tem nada a ver, e isso me colocou em uma enrascada - mais uma - na semana passada.

Entrei no elevador com duas pessoas do mba, e elas estavam comentando sobre academias no bairro, aquele papo que realmente não me interessa, vazio, vazio. Mas estávamos dentro de um elevador, e o meu defeito numero 1, que é inabilidade social, e que me constrangia, e que fazia daqueles poucos segundos um verdadeiro martírio, me fez tentar preencher o suposto silêncio com alguma brincadeirinha. E a menina dizia que estava muito preocupada porque disseram que academia no bairro tinha muita puta, e etc. E *erro numero 1* eu me meti. Concordei, falei que era assim mesmo, porque em uma fase da minha vida que eu nem lembro mais, eu ia pra uma academia supostamente legal e malhava com putas. Porque eu malhava meio dia, e meio dia - segundo minha análise - era horário que puta acordava e ia malhar a bunda na academia. Fato é que eu malhava com garotas supostamente bonitas, todas de cabelo solto (na academia!), e de rímel (na academia!), e de argolas (na academia!). E eu achava que elas deviam ser putas mesmo. E, *erro numero 2*, eu disse pra essa garota que toda academia do bairro só tem puta, generalizando mesmo, erro grave. Ela discordou, porque malha, não porque é puta, e se ofendeu mesmo. E ficou um climão no elevador. Mas eram só dois andares, descemos todos e fomos cada um em direção ao próprio carro. Me senti meio mal, mas achei que não era nada de mais, fui pra casa e dormi o sono dos justos.

E a outra garota do mba, presente no entrevero, a loura que também malha mas não é puta foi dizer para outras pessoas, que eu tinha batido boca no elevador, uma coisa meio barraco, vejam só. Meu nome na mesma frase que a palavra barraco, coisa inédita até então. E eu sei que mereci isso, porque me meti em conversa alheia de garotas louras frequentadoras de academia, com seus tríceps e bíceps, e argolas, e conversa de elevador. E minha turma do mba tem um monte de exemplares dessa espécie, os freqüentadores de academia. E tudo leva a crer que eu ofendi a classe.


E que fique bem claro que eu não reclamo da fofoca, em si. Fofoqueiros somos todos. Eu sou, a outra garota é, você também, muito provavelmente. Mas fazer fofoca perto de amigo de quem se fala é erro de principiante. Porque você é descoberto. Até pra ser fofoqueiro é preciso perícia nessa vida.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Mais do mesmo. Eu falo demais. Sempre. E reclamo demais. E sou ríspida, apesar da fofura que se estabeleceu nas últimas semanas, que eu não entendo e que já se faz notar, e rende piadas engraçadinhas. Eu acho que concordo. Talvez sim. Talvez eu esteja ficando simpática, e fofa, como não se cansam de me acusar. Eu tiro meus anéis e coloco as luvas. Faz frio. As mãos continuam geladas, mesmo dentro da camada grossa de lã. Sinto os pelinhos do braço arrepiarem, as pontas dos dedos frias, os olhos querendo fechar. Eu queria estar em casa. Quietinha. Com as luzes apagadas, no máximo um abajur. A tv jogando imagens sem sentido, um livro no canto, as revistas japonesas emprestadas, que só agora descobri que abrem pelo lado de trás. Tantas cores. Queria folheá-las sem culpa, sem pressa. A tv ligada, passando alguma coisa sem sentido, qualquer coisa. Meu caderno azul e umas canetas coloridas, pra fazer uns rabiscos, copiar falas de filmes, fazer listas de tudo o que ainda não vi.

Não é de férias que eu estou falando. É de tempo, de distância. Vontade de ficar sozinha. Não por dois ou três dias, até quando eu quisesse. Sem culpa, sem telefonemas. Pijamas o dia todo. Seriados. Sem relógios, sem despertadores, sem celular. Sem campainha, interfone ou qualquer outro tipo de apito. Nada que me perturbe, nada que me distraia de mim mesma.

Água quente, comida quente. Almofadas. Os gritos estão abafados e eu fiquei fofa.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Não é que eu não goste de teatro. Ta bom, confesso, não gosto. Posso estar errada, possivelmente ESTOU errada, mas a verdade é que teatro me constrange. Tenho uma explicação pra isso. Sou de cidade pequena, da roça, como diz, mais uma vez, nossa velha amiga siri(gaita) ex bbb. Volta Redonda tem ainda menos habitantes do que Uberlândia, vejam só. Duzentos e cinqüenta, trezentos mil habitantes, se muito. Lá na roça não tem muitos teatros e eu passei boa parte da minha vida vendo as pessoas se descabelarem a cada vez que uma semi-celebridade aparecia por lá pra divulgar uma peça de gosto duvidoso. Vi Confissões de Adolescente, Capitães de Areia, toda e qualquer produção que se dignasse a divertir os pobres coitados dos volta-redondenses.

Numa excursão de colégio viemos ao Rio, à cidade grande, passear no municipal, fazer aquelas coisas médias que hoje eu coro só de lembrar. E tinha, em cartaz por aqui, na Casa de Cultura Laura Alvim, uma montagem baseada em Nelson Rodrigues, chamada Melodrama. Era uma peça looonga, em dois atos, com a Drica Moraes. Lembro que os atores usavam lápis vermelho nos olhos, e quando choravam em cena, as lágrimas pareciam de sangue com a tinta escorrendo. Foi um momento único. Realmente adorei. Mas fica a dúvida se foi por causa da peça, especificamente, ou do sangue que jorrava em cena. Adoro sangue jorrando. Adoro melodrama, sou melodramática. Fica a dúvida.

A questão maior de todas é que eu acho que teatro é muito estranho. Me constrange que os atores estejam gritando, esganiçados. Me sinto impelida a jogar umas moedas, sei lá. Tenho vergonha mesmo. Da mesma forma, odeio pseudo-intelectualóides que PRECISAM ver todas as peças em cartaz pra, detrás de seus óculos de aros grossos, julgarem a montagem, a interpretação, o figurino, a direção. Teatro não me interessa. Na mesma série, por motivos muito parecidos, odeio feiras e bienais de livros. Já escutei esses pseudo-intelectuais dizerem que quem gosta de livros não compra na Fnac. Eu compro na Fnac. Vários livros. Aproveito e levo cd’s, dvd’s, dou uma olhada em coisinhas de informática e ipods.

Minha teoria é que a maioria das pessoas que vai a feiras e bienais de livros, ou a peças de teatro, vai pra dizer que foi, e tentar se vender como intelectual. Tem exceções, é claro, muitas, várias. Se esse blog fosse muito visitado, eu provavelmente, em menos de 40 dias, seria malhada como judas. Absurdo, dizer isso. Mas é a mais pura verdade.

Isso não quer dizer que eu não tenha vontade de ver algumas montagens, tipo Ópera do Malandro, ou My Fair Lady, que acabou de estrear em algum lugar que eu não me lembro. Mas não morro por isso. Teatro me constrange. Period.

segunda-feira, 12 de março de 2007

A garota começa o assunto sobre simplicidade voluntária e me pergunta, no eme esse ene, se eu vi a matéria no fantástico. Vi, claro que vi. Fiquei com um pouco de pena daquelas pessoas aparentemente muito calmas e felizes, dizendo que estão aprendendo a viver com menos. Menos expectativas, menos agitação, menos dinheiro, menos sapatos. Menos sonhos, uma delas disse. E foi exatamente nessa parte do discurso que eu parei de olhar para a matéria com alguma curiosidade e comecei a prestar atenção com uma certa pena. Pena de gente que decide parar de sonhar. Se eu paro, é simples a equação, eu morro. Menos sapatos e bolsas me fariam sofrer horrores. Menos agitação seria bom, mas eu teria medo de emburrecer. Porque eu acho que a agitação é que treina o cérebro, de verdade. Faz com que o raciocínio seja rápido, que a gente reaja aos estímulos de forma mais adequada. Porque, fato, os estímulos são muitos.

Eu jamais poderia ser budista, por exemplo. Jamais. Eu sempre faço listas imaginárias de quais as coisas que eu deveria pegar e levar comigo em caso de incêndio no prédio. E ia dar muita coisa mesmo. Meu computador, por exemplo. Adoro. Meus cds, dvds, alguns livros. Meu casaco desconstruído de moleton, que é lindo, lindo, e que custou muitos dinheiros. Minha bolsa de cabrinhas e o vestido amarelo que me custou mais dinheiros ainda. Várias coisas. Uma vez, na faculdade, tentando achar a carteira para pagar o cookie que eu tinha comprado, achei o meu controle remoto da directv dentro da bolsa. Não sabia como ele tinha ido parar lá, na bolsa, em plena faculdade, mas fiquei um pouco feliz por ele estar ali, naquele momento, comigo. E eu sei que isso não faz o menor sentido.

Eu não consigo me desfazer de várias coisas, ela tem razão. Guardo roupas que eu amo e que ainda me vejo usando. Pra mim, às vezes, menos não é mais. Menos é menos mesmo. Ana Luiza está com meu livro "About a Boy" há quase um ano. É um dos meus livros mais queridos, que eu já teria relido se estivesse comigo. E que emprestei de coração (porque eu tenho defeitos, mas tenho coração bão), para que ela lesse e achasse a história foda e fofa, como eu achei. E que, eu sei, ela leu uma ou duas páginas e abandonou, na promessa de voltar. E ela não voltou. E ela não me devolveu. E o livro se mantém refém de uma pessoa desnaturada, que não liga a mínima para o buraco que se instalou no meu coração desde que eu deduzi que ela não estava lendo meu querido livro e que tampouco pretendia me devolver.

Então, esse negócio de viver a vida mais simples pode ser muito bonito, e tal, mas não me serve. Não sei viver com menos. Não consigo podar as minhas expectativas, não troco meu carro por ônibus, não consigo. Não quero pouco, quero muito, sempre. Muito das minhas coisas, muito dos meus amigos, muito do trabalho, das pessoas, de tudo. Tudo meu. Se eu tiver que podar meus sonhos, então, não gosto nem de pensar. Porque, nesse caso, eu, sem sapatos e bolsas, sem agitação, sem preocupações, sem expectativas ou sonhos, ia sentar e morrer. A equação é simples.

quarta-feira, 7 de março de 2007

"Você está virando uma pessoa fofinha." Essa foi a última que eu ouvi, depois de, num súbito desabafo daqueles bem desesperançosos no meio de uma quarta-feira à tarde, no meio de um trabalho chato e que parece não ter fim.

Eu tento explicar para as pessoas que quando eu tenho uma tarefa que não me estimula, é muito sofrimento mesmo, porque a minha atenção se dispersa e eu passo coisas desimportantes na frente. Eu resmungo, eu levanto, busco água, ligo a música no headphone, vou até a máquina mágica de doces do sétimo andar. Sento na cadeira e quase morro.

E ninguém entende que para uma dda diagnosticada é mais difícil ainda se concentrar em algo que é propriamente impossível de gerar concentração. E eu quase morro. E resmungo, e tento achar metáforas que expliquem para os outros seres viventes, conformadamente fazendo a sua parte, que aquilo ali quase me desespera. Que eu quero gritar, mas que as forças se esvaem. E que a vida escorre de mim, e que eu não posso fazer nada a respeito. Sou uma plantinha sem água, eu digo. E suspiro. E digo que estou murchando, que estou secando e que estou morrendo. Porque eu estou.

E as pessoas dizem que eu pareço feliz, principalmente em uma quarta feira, mas que estou com cara de ursinho carinhoso, com os olhos semicerrados, em câmera meio lenta. E dizem que quando eu uso as metáforas para explicar meu desespero, que eu estou ficando fofinha. Porque eu digo coisas fofinhas, porque isso é muito desestimulante demais. Mas isso só quer dizer que esta batalha está sendo vencida pelos arquivos que vêm da frança, e que se acumulam. E que eu preciso olhar, e adaptar os textos, e corrigir os absurdos. E que me fazem querer morrer. E então, quase morta, eu fico fofinha.

terça-feira, 6 de março de 2007

O sábado de sol corria normalmente, com Madame Ç confortavelmente posta à sombra em ambiente refrigerado. Toca o telefone. Ana Luiza diz: "casa da Flávia, casa da Flávia, casa da Flávia". Desliga. Fazer o que? Obedeço. Casa da Flávia.

A casa da Flávia é o ponto de encontro do momento. Lá estão todas as pessoas. Todas as pessoas se conhecem. Por causa da Flávia. Por favor, antes que eu descambe para a minha teoria de que a Flávia liga qualquer pessoa do universo a qualquer pessoa do universo em até 6 graus de separação, lembrem-me das reais razões para esse post. Ah, sim, Maria Clara.

Maria Clara é uma adorável garotinha de 5 anos de idade. Uma criança comum à primeira vista, que chegou acompanhada da irmã mais velha e do primo (nosso amigo em dia de "eu sou legal"), para um refrescante banho de piscina na casa de Flávia, naquele sábado ensolarado. Biquini, rabo de cavalo, uma mini canga, tamanho mini mesmo, de criança. Fófi.

O que primeiro me chamou atenção, lá onde eu me escondia, na sombra com meu copo de coca-cola gelada, é que Maria Clara tinha uma cor linda de cabelo. Meio dourada, de sol mesmo. Cachinhos, uma graça. Se jogou na piscina, fez borbulhas, bateu os pezinhos.

Crianças, para mim, fazem parte de um mundo muito peculiar, que não é o meu. Minha tese é que, como estamos impossibilitados de manter uma conversa minimamente coerente, o adulto que se dispuser a estabelecer contato - verbal, visual, o que seja - terá que lançar mão de suas qualidades de entertainer. Fazer piadas, dançar, cantar, distraí-las. Vale até aquela vozinha infantilizada que muito se vê por aí.

Acontece, senhores, que eu não sou uma entertainer, pelo menos não para crianças. Não sei contar piadas, não tenho as manhas da prática de amizade com seres tão pequenos. E vozinha infantilizada é algo fora de cogitação na minha vida. Logo, me afastei, e quando uma das duas adoráveis garotinhas olhava pra mim, assim, por acaso, me dispunha a dar um sorriso e sair de foco.

E algo inesperado aconteceu. Maria Clara resolveu conversar comigo, e eu, sem graça, acabei respondendo uma ou duas palavras. Perguntei o que ela queria ser quando crescesse e ela disparou: rainha de bateria. Uma criança de 5 anos, de mini canga, querendo ser rainha de bateria. Ela sabia de cór os sambas-enredo da unidos da Tijuca e da beija Flor, e quando eu pedi, inocentemente, que sambasse, não se fez de rogada: Bateu os pezinhos no chão, olhos brilhando, rebolando e girando. E devolveu: agora samba você.

Eu não sambo. Exceto em situações bizarras como a ida á Lapa, onde me dei por vencida. Maria Clara queria que eu sambasse, e nada fazia com que ela mudasse de idéia. Tentei distraí-la, falei que não sabia. Ela disse que me ensinava. Ofereci chiclete. De hortelã, cliclete de gente grande. Ela achou meu trident bem ardido, mas mastigou com força, olhou pra mim e disse: samba! E todo mundo concordou com ela, e é óbvio que eu não ia sambar. E ela não parava.

Maria Clara tem luzes no cabelo. Aquela cor dourada linda, que eu, inocente, achei que era efeito do sol, era química de salão. Ela riu alto e falou que tinha feito "mechas". E sambou, e disse que ia ser rainha da bateria. E comeu o meu trident de hortelã ardido sem reclamar. Maria Clara é a juventude emergente da Barra da Tijuca. Me convenceu a sambar, eu dei um ou dois pulos e ela gritou, maravilhada. Me adorou profundamente. É a primeira criança que vai com a minha cara. Na vida inteira, talvez. E isso é realmente importante, e eu quase acredito que sou alguém mais ou menos legal. No final do dia, já indo embora, tentou me jogar na piscina. Rá. Não deixei. Sabe como é. Tem que ter cuidado com essas crianças de hoje.

quinta-feira, 1 de março de 2007

Pouca gente sabe, mas hoje é desaniversário da garota. Há 25 carnavais, num primeiro de março, em um ano que não era bissexto, nascia aquela lá. Brilho seria se Ana Luiza nascesse num ano bissexto, porque ela teria como data de nascimento o dia 29 de fevereiro. E só faria aniversários de 4 em 4 anos. Ia ser muito brilho. Mas deve ser aquela velha história de jisus looks at her. Ele já devia olhar antes mesmo de ela nascer. Pensou bem em tudo, para que ela não viesse ao mundo em um ano bissexto, em um dia 29 de fevereiro. E para que pudesse ter um dia para chamar de seu todos os anos.

Ana Luiza fala sozinha, ri sozinha e tem palavras que só ela usa. Pergunta de tempos em tempos como é que se escreve obsessão, ou exceção, ou portfólio. Eu respondo. Na maioria das vezes, ela já pergunta escrevendo certo. Ana escreve bem, de um jeito mais rápido, mais curto e mais certeiro do que eu. Escreve doído, sabe elogiar e ofender. Dificilmente eu vi um texto dela que eu faria diferente, que eu trocaria uma vírgula que fosse. Isso toma de mim um pouco da isenção, mas concordo com absolutamente tudo o que ela diz, escreve ou pensa. Se, por acaso, eu não concordar, vou, provavelmente, me perguntar se sou eu que não estou errada.

Ana Luiza tem mania de maquiagem, e me ensinou a pintar o rosto. Passa blush na cara de qualquer um que considere pálido. Um dia, lá atrás, foi a minha vez. Hoje, blush, não vivo sem. Ana me ensinou a passar rímel preto há cerca de 10 dias. Que vergonha, eu achava que sabia. Estou de rímel hoje, e estava ontem, e isso é obra dela. Ana, ao telefone, não começa dizendo alô, nem termina dizendo tchau. Vai direto ao assunto, sempre. Desliga na cara se você estiver desprevenido. É porque o assunto acabou, nada pessoal. Ela odeia falar no telefone. Odeia mesmo. Ligou pra falar que a Analy vetar o anjo foi puro brilho. E desligou.

Ana me mata de vergonha. Faz amizade com qualquer naipe de ser humano que cruze o nosso caminho. Pratica amizade com mendigos, pivetes, vendedores de balas e frutas. Uma vez, quase implorou a um vendedor de caquis que DESSE um pra ela. Gemeu, disse que tinha fome. O cara não caiu. Ela riu. Eu corei.

Ana bebe coca light e prefere cheesecake a brownie no outback. Usa meia-calça colorida para trabalhar em pleno verão, e se irrita quando as pessoas comentam. Usa xales, mantas e sapato boneca. É a melhor amiga pra comprar bolsas, casacos e tomar chocolate quente. Tem um apartamento colorido, que eu só conheço por foto. Tem um carro igual ao meu, que tem cheiro de naftalina. Ana dá nomes aos bichos, aos chaveiros. Me manda calar a boca sem a menor cerimônia, quando eu a interrompo sem perceber. Se qualquer outra pessoa fizer isso, eu me enfureço.

Ana não sabe o nome de nenhum filme, de nenhum ator e nenhuma atriz. Não gosta de filme triste, reclama de filme político. Gosta de Legalmente Loura e de comédias inteligentes. Odiou alguns filmes que eu amo, ri quando eu tento usar as minhas referências de cinema para explicar alguma coisa. Adora Seinfeld, está aprendendo a gostar de Friends. Quase me matou quando eu disse que o Chandler ficava com a Mônica, disse que eu estava adiantando a história. Mas, vem cá... Quem não sabe que Chandler e Mônica são um casal? Ela não sabe.

Ana faz aniversário hoje, e por incrível que pareça, é só o terceiro desde que somos amigas. Parece o trigésimo.